domingo, 21 de dezembro de 2008

Elegia a Augusto, o poeta concreto

Augusto é um angustiado que pela noite segue
A beber palavras
Será como eu?

Mas ele não se engasga

Augusto é um ghostwriter da névoa fina
Ele vê beleza nos olhos
Nos olhos de menina (nos olhos da poesia)

Ele vê uma beleza que a outros assassina
E a beleza que ele vê
Aos poucos me contamina

Augusto é um amigo imaginário
Que ninguém vê, nem mesmo eu
Mas ele deveria ser visto

Colocado num pedestal

Poesias modernosas
Tom semi-angelical

Augusto é um aficionado pela vida:

Vida poética
Estrada desconexa
Poema concreto
Formas e setas,
Muitas setas!

Eu nunca esqueci do Augusto que não conheci.


Em 07 de maio de 2005.

Clamor

Queria poder gritar
para todos poderem ouvir
uma só verdade: eu também sei mentir!

Voz interior

Sou artista.

Quem não vê?
Se não me vê ao longe
que não me sinta.
Estou distante.
Ando sumida.

Sou artista.

Meu ar triste c a m i n h a.
Ando despercebida
mesmo que não passe
desapercebida pela vida.

Sou artista e ninguém sabe.
Sou artista, mas ninguém vê.
Sou artista VIVA, embora viva por viver...
nesses tempos em que estou
enARTrISTecidA.

Bichos da Estação

Cavalos pianisticamente galopando
Chegam em suas casas aladas e vão cochilar.
Belo, tão belo é o balé das águias anoitecendo,
Sementes respingando,
Cheiro de terra moendo,
Que os peixes, submersos, vão condimentando
A gigantesca sopa de água e sal

As flores giram e giram obtusas
Os pássaros beijam
As asas freiam
O vento precisa seguir
Os pêlos se agitam
A lua amanhece aflita junto ao sol
É hora de chegar ou partir?

As vozes passam, os grunhidos ficam
São os mesmos latidos, miados, uivos, zumbidos...
Os mesmos sons matutinos e notívagos de outrora

As vozes ferozes, não.
Estas mudaram. Envelheceram.
Um dia, todas mudas ficarão
Para serem, enfim, obrigadas a escutar

O canto dos bichos da estação

Reflexões

Quanto tempo cabe
Nessa hora que me carrega
Nesse tempo que me aprisiona
Na solidão que afirma
Na mão que nega?

Quanto tempo cabe
Em mim e no resto do mundo
No intervalo entre o riso e o soluço?

Quanto tempo cabe
Nesse instante
E no outro?
Numa poesia, num assobio...
No último suspiro de um morto?

Quanto tempo cabe
Na imensidão terrestre
No amadurecimento
De frutas silvestres
Na coloração de um verde agreste?

Quanto tempo cabe
No espaço de uma página lida à outra virgem?
Num beijo breve, num abraço carente?
Quanto tempo cabe na gente?

O tempo que cabe em mim
Não é o tempo que cabe em ti
E o que sinto dentro de mim
Aqui se esvai...
Daí o desencontro
Daí o tempo ser tão pesado e cruel
O amor se vai com o vento:
devagar.
Enquanto eu divago neste papel
a te esperar

Chuveiro

Criança
Lembrança
Infância

canção
Saudade
família

ânsia
amparo
mãe e filha

brincadeiras
momentos
gritarias

Sopro
toque
suave

esporro
grave
alarde

vida
confusa:

gangorra

maldade
e
ternura

Impressionismo (somado a intervenções)

Adoro.
Simplesmente adoro essa mutação constante da vida.
Venero.
Simplesmente venero esse ar que respiro, essa hora bandida...
Que me assalta e vai embora. Sem tempo para despedidas.
Sem tempo para remorsos.
Não quero ser corrompida, mas posso.
Não torço por dinheiro algum.
Quero é ser reconhecida.
Talvez ganhar um, viver a dois, batalhar por três - no máximo por quatro - morrer às 5h, às 6h ou às 7h. Tanto faz.
Sem planos, sem datas: quero é ser descoberta, saboreada, vivida...
Depois poderei ser enterrada. Nada mais.
Primeiro a sopa, depois o suco, me dá o chá, depois eu durmo.
E o ciclo se repete: sem pressa, sem ânsia, sem ritual solene.
Apenas o nascer do sol brindará a minha partida e velará por meu nome.
Sopa de feijão com legumes, suco de laranja natural, chá de camomila para um sono angelical.
Adoraria.
Mas não se impressione.

Por quê?

Por que preferimos mentir
Sobre a realidade do mundo?
Arredondar o que já nasceu quadrado?
Fazer sorrir o que já nasceu sisudo?

Por que preferimos mentir
Ao alegar verdade em tudo?
Afinal, pelo simples ato de existir
Já reside um fato, já arde uma vida
E o que é - seja lá o que for -
É também profundo.

Por que preferimos esconder
uma face frente a outra?
Se a mesma que afirma ser
É a mesma
Que encena absorta?

Por que preferimos fingir
Que nada está errado?
Se o erro, por si só,
Já é um fato consumado?

Por que preferimos arriscar
Fingindo ser quem não somos
Insistindo em carregar com
Braços frágeis o nosso futuro abandono?

Que sabemos, nascerá de nossas próprias mãos:
Incrédulas, vazias, tristes, mortas.

Por quê? Por que não mais pecar?
Se ninguém se importa...

Esconderijo

Tenho mil defeitos
Mas não falo sobre nenhum
Até porque não assumo
Escondo tudo

E os engulo no desjejum

Cometo mil delitos por dia
Mas disfarço muito bem
Até porque não estarei sempre à revelia
Da boa vontade de ninguém

Trago dentro de mim mil mulheres
Mas dentre todas elas, sou apenas uma
Essa que espreita, sou justo essa:
Essa que te alcança e depois,
Somente depois, te procura

sábado, 20 de dezembro de 2008

Amplitude

Deuses de pedra, do ontem, da hera!
Deuses egípcios, gregos, romanos!
Deuses afro - das águas - africanos!

Descei e colocai-me dentro de mim.
Perdida e só, parei por aqui.
Ajudem-me a me elevar.
Ajudem-me a enxergar o sol da véspera sem cegar
Derramem sobre minha cabeça o bálsamo invisível
Façam-me ter paciência para aguardar o imprevisível
Dêem-me cura para a dor
Paladar aguçado para o que insosso for
Calma na velocidade
E ritmo para a vagareza fluir
Permitam-me ainda ter sempre para onde ir
E que eu jamais esqueça por que estou aqui

Deuses de pedra, do ontem, da hera!
Deuses egípcios, gregos, romanos!
Deuses afro - das águas - africanos!

Que suas vontades sejam plenas em meus planos.

Correnteza

Campos de pedras
Rosas-chá caídas
Sobre seus pés
Coloridas flores
Sob meu peito
Doloridos amores

Rochedos pendidos
Pelo espaço mínimo
Corre a água larga
E tudo o que eu preciso
É de uma retaguarda
Quero me proteger
Atrás do muro, dentro do escuro
Quero fugir do amor

Mas correndo só
Pelo mundo
Faço vários encontros absurdos
Não consigo encontrar
O fundamental
As flores, o campo, o sublime, o encanto...
Não acho o amor em lugar algum, em nenhum canto.

Campos de pedras
Rosas chá caídas
Sobre seus pés
Coloridas flores
Sob meu peito
Doloridos amores

Descoberta hedonista


O que é insólito te excita
Se não há bundas e peitos
Há criptonita!
Tentam te enfraquecer - mas todos os seus poderes são carnais -
E você vence sem querer, sem muitos ais
Você e suas canções
Antigos carnavais
O que é insólito te excita
Hoje e sempre mais!
Prazer que vence o medo
De não ter tempo de sentir...
Medo? Nunca mais!
Sua morte será breve
E você bem sabe disso
Mas prefere esse hoje que te persegue
A ter que sonhar com o Paraíso

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Improviso desastrado

Eu sei improvisar
mesmo que tenha que forçar
mesmo que tenha que soprar
Eu sei improvisar!

Invento letra, invento inventos
Invento vento, invento o tempo
Invento sopa, invento mosca
Invento sol, invento lona
Invento briga, invento a zona

Calma, cama e lama
Coisa, pausa e fama
Pano, pedra e tampa

Eu sei improvisar
mesmo que tenha que forçar
mesmo que tenha que soprar
Eu sei improvisar!


Crio eu, crio você
Crio ela, ele e nós
Crio sombras de lençois...

Casas sazonais
Damas e pardais
Cordeiros e mexilhões
Panacas espertalhões
Tartufos e muitos pães

Só não crio o que Deus criou
Matéria concreta sou
Mas sigo a inventar metáforas
Nessa estrada abstrata

Desastrada estrada

Conversa com taxista I

Deus existe e eu existo com ele!
Deus persiste e eu preciso dele!
Deus não desistiu da humanidade...

E eu não desisti de mim.

Conversa com taxista II

- Tá calor? Quer que eu ligue o ar do carro?
- Tá bom assim, obrigada. - Prefiro o ar de fora.
- Quer escutar música? Ligo o som?
- Não, não. Tá bom assim. Prefiro ouvir a rua, os pedestres, e até a sua voz...
- Ih, tô falando muito alto, é? Quer que eu diminua o tom?
- Continue fazendo várias perguntas que está bom. Renderá um bom texto (ou poesia).
- Hum... Quer dizer que você gosta de escrever?
- Vivo disso. É assim que sei viver.
- E eu vivo de dirigir. Não é engraçado?
- É engraçado como tudo me inspira.
- O quê? Você tá com vontade de espirrar?
- Não, não. Não disse isso. Deixa pra lá!
- Ah, tá bom. Prefere parar de conversar, né?
- É... ih, moço! O senhor passou da minha casa.
- Foi distração, moça, desculpe. - Darei meia volta e não cobrarei por isso, tá bom?
- Relaxa, moço. Ouça o som...

Lei natural

Quando menina, sabida.
Quando mulher, felina.
Quando mãe, filha.
Quando avó, sábia.
Quando só, cansada.
Quando pó, mais nada...

Além de alma penada

Circunferência brasileira

Globo
Global
Globalization
Todos
Unidos
Civilization
Ninguém
Atura mais
Tanta embromation

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A última virgem

Traz nos lábios força selvagem
desejos acumulados
intocadas carnes

pernas tortas - ansiosas e sós -
faltam abraços, cicatrizes e nós

a menina segue
esperando por aquele que nunca virá

Não existe maciez e delicadeza
que não a machuque
nem força e destreza
que desbote seu batom carmim

Não há como invadi-la...
mesmo que, um dia, ela diga sim!

Rapidamente

Senda aberta
Prenda incerta?
Visita ao passado
novas descobertas:

volumes, texturas, cores, aromas
travessuras
árvores e muros
crianças nas ruas
brincadeiras no escuro

Vitamina de abacate
tapioca com manteiga
elefante colorido
um, dois, três...

Virei adulto de vez.

Assombro

Não há teto
Não há como!
Não há pano de fundo

Sem cenários, sem entornos
Meu escopo é viver

Cada vez mais, tiro máscaras
Leio Jung
- e esqueço absurdos -

Faço festas
- internas e externas -
Vibro à beça!
Me atiro no escuro

Todo mundo me lê...

( Sei ser frágil, sei ser forte, sei também sorrir e sofrer. Mas a melhor ação, o melhor movimento, sempre foi escrever)

Não há teto
Não há como!
Não há pano de fundo

Sem cenários, sem entornos
Meu escopo é viver

Escrita

Sombras espiraladas

ponta metálica

espaço livre

do vazio à mágica

da falta ao complemento

da palavra amarga à réplica

da estafa ao sofrimento

Sombras espiraladas...

Bobagem

ESCREVO PARA PASSAR O TEMPO
QUE EXISTE SÓ PARA ME TESTAR
TESTADAS SÃO AS MINHAS SENSAÇÕES
COM DOSES DIÁRIAS DE PEQUENAS TENTAÇÕES

Circunlóquio

Unhas de vidro
quebradiças
da moça, da vítima!
cada dia era uma cor
sempre tão coloridas
as unhas, as amigas
de vidro também era
o amor que sentia
frágil, quebradiço
a moça, aquela, a vítima

vivia a acenar as mais cruéis despedidads

Natural

A essência dela é boa

Quer rodar numa dança
andar de mãos dadas
tem olhar de criança!

A essência dela é boa

Por que destoá-la?
Por que deixá-la à margem?

Ela é a mensagem.

A essência dela é boa

É a única que sorri à toa

Incosciente coletivo

Poesia pescada no ar
verso-peixe de um poeta
fisgado pela palavra

cores oscilantes
das escamas, das carpas
seiva morna cultivada
dentro da própria casa

nasço e morro todos os dias
para escapar da rotina

poesia pescada no ar
é metonímia

Descanso

Lua do sorriso fino
numa de suas hastes
não caberia um passarinho

Lua que oscila tanto
e vê modificar ao sabor do tempo
cada motivo e cada pranto

Hoje, lua magra
amanhã, roliça
quando uma nuvem passa - espessa -
tudo é tão fugaz que instiga
o movimento mais veloz
a parar

Lua fina que virou meia lua
que esboçou meio-sorriso
que se tornou um ponto de luz
- quase uma estrela -
a se apagar

Lua fina
que foi dormir atrás do morro
enquanto eu
- não mais uma criança -
volto a caminhar

sábado, 29 de março de 2008

Livreto caseiro

Queria escrever
O que nunca foi escrito.
Queria dizer
O que nunca foi dito.
Mas como “para bom entendedor
meia palavra basta”
Não escrevo e nem digo: repito.

Salve os ditados populares!
Salve a vida, salve os ciclos!
Salve as meninas, salve os meninos!
Salve a terra, salve os rios!
Salve todos os poetas deste mundo:
Os bem vivos, os meio vivos e os moribundos.

Salve as Creusas, salve as Neusas,
Salve as mulatas desse Brasil!
Salve as cores, salve as raças, salve os brancos e os tizios!

Salve, Salve!
Salve, Salve: antes tarde do que nunca!
Salve, Salve!
Salve,Salve: quem não fere não se machuca!
Salve, Salve!
Salve,Salve: saiba inventar...

e não morra de fome nunca!



MLK Em 12/03/06

sexta-feira, 28 de março de 2008

Primeiro e último (um retrato do Rio de Janeiro que já virou letra de música)

Rio de Janeiro, tens teu próprio cheiro

cidade revirada

Rio de Janeiro, és no mundo inteiro

tiroteio da madrugada

A cruz enterrada, em teu céu aberto, retrata o painel incerto

do caos dessa cidade

Prisão, liberdade? Tensão, criminalidade?

Cristo Redentor, nu de corpo e alma, porque olha e não faz nada?

Cisto Redentor, nas montanhas és reluzido, traga de volta o brilho perdido!

Arranha-céus soberbos, o que estão fazendo agora?

Orem por quem chora:

crianças, moleques, mendigos...

desnudos, desnutridos!

Rio de Janeiro, que em minha porta bate

Eu abro, mas o que vejo?

Só sangue escarlate

No embate o guerrilheiro

O que aconteceu com o meu Rio primeiro?







PS.: Esse poema foi feito em 2001, ano que vim de Recife para o Rio (minha cidade natal). Posteriormente, acabou virando letra de música. A melodia foi feita por Carlos Lenadro Camejo de Souza e a banda Rota In Certa a executou por vários anos seguidos.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Liberdade

A semente se abriu em flor
Do caule, um ventre murcho
Da dor, o esplendor
Das pétalas, o crepúsculo

Os dedos curtos e frágeis
Evoluídos em longos gestos

Nobres como móveis paisagens
Certos como antigos navios
Dispersos em suas miragens

As horas - que não são mais do que um verso -
Hesitam
Enquanto palavras choram tristes
Alagadas com música e arte
Encantadas com o que ainda não existe

Se vai, que não seja para perto



Porque existe o longe



E não passe para o universo toda a dor que punge
Se abasteça dela, siga em frente de si, e se alcance

Se vai, seja o caule em riste a iluminar a ponte

Desobedeça a luz!

Se vai, ponha acácias verdes nos pés
E respire suor em vez de ar seco

Na volta, não se esqueça que a hora é o inverso do tempo





Rio de Janeiro, em 05 de outubro de 2007