domingo, 9 de outubro de 2011

Família distante

No escuro lá da frente da casa
As histórias eram todas contadas
A atenção das crianças
Era a luz que faltava

E passavam-se horas e horas
As velas todas acesas
As sombras se confundindo
O riso solto e o assombro

Algumas cantigas e lendas eram repetidas
Mas ninguém ligava
Pareciam desconhecidas
Por ser um outro que as contava

Nas histórias de terror
Sempre emergia um timbre
Ou olhar
Que assustava mais que o anterior

Naqueles tempos era bom viver
Parecia que o futuro era algo distante
Que na verdade nunca viria
Mas veio, frio e veloz

Já não se falta luz onde vivo...
Os adultos se dissiparam, estão a sós
As crianças todas já foram dormir
E a falta que faz aquele escuro que tudo dizia
Onde tudo se via mais pleno e feliz

Toda essa falta dói em mim.

domingo, 21 de agosto de 2011

O igual subjetivo

Espelho
Reflexo
Amplexo
Desejo

Todos se auto querem
E ao se auto quererem

Perdem:

Multiplicidade

Perdem:

Sexo

Perdem:

Autenticidade

Perdem:

Jeito

Perdem o jeito de lidar consigo mesmo
Perdem o brilho de um outro olhar

E perdem a luz - não a sombra! - que amplia a alma de cada um que consegue:
desejar, amar e querer um outro ser.

Um OUTRO que não você.

Apagão

Tic Tac

Vem a hora
Mais veloz
Que outrora

Tic tac
Tics mais curtos
Tacs mais altos
Estresse
Falta

Tic tac
Dor e sono

Tic tac
Abandono

Tic tac
Sociedade doentia
Hipocondríaca
Sem cura

Tic tac no círculo vicioso da procura

Tic tac, ninguém se acha, ninguém se atura

Tic tac
Ninnguém perdura

Tic tac
para coisas
Tic tac
para eventos
Tic tac
para o tempo? Que contradição é essa?

Mais um bocado de Tic Tac acelerado... E o mundo entra em colapso.

Tic, tiques! Tac, ataques! - Be careful: já são dez para às dez, ou melhor: 9:50pm.

Meta e linguagem

Finalmente a inspiração voltou. Como uma torneira aberta! Torrente de palavras e emoção. O sono está aqui (mais uma vez), mas a escrita insiste em sair... Só assim, saio do piegas que há em mim. Só assim paro de sentir vergonha do que falei e remorso pelo que não disse, mas pensei. Escrever me faz sar do marasmo repetitivo do dito e do não dito. Do compreendido e do mal esclarecido. Falar agora me parece só bla bla bla e ouvir me faz quase dormir. O que quero apenas é ter o prazer de escrever e ler sem nenhum dever a cumprir. Para mim, a palavra escrita ou sua ausência falam por si só. Além de serem mais ativas que muitas vozes aguerridas, superlativas, altivas ou ainda insandecidas! Just it.

Circulando viciosamente

Sexo cheira a peixe
Peixe lembra mar
Mar lembra água
E o encontro das águas lembra amar
Amar lembra sexo
E bom sexo...
Dá uma vontade danada de amar!

terça-feira, 5 de julho de 2011

A escrita

No limite do improvável, a calma se dissolve em lástima, a lágrima já não sabe que aflige. E enquanto o ser humano é só, ele existe. E quando sente-se só, está triste.

. . .

Não tenho tempo para sentir, não tenho tempo para saber. Não me pergunte nada, não sei responder. Também não me responda, não irei entender. O tempo urge. O vazio surge e continuo sem perceber: por onde andei, onde parei, como me reconhecer? Onde estão meus livros, meus discos, minhas letras borradas, meus amigos? Onde está quem eu era, quem eu sou? E o que será de quem eu serei se hoje nada sei? Estou aflita e perdida. Quem me socorre? A escrita, a escrita! Com ela começo a sentir algo: escuto algum chamado, vislumbro algum abrigo... mesmo que ainda desconhecido. Enfim, ao lado dela posso tentar descansar em paz.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Desabafo noturno (reflexão sobre os últimos tempos)

As tragédias estão aí
Basta olharmos pelas frestas
Pena que enquanto uns sentem dor
Outros dão festas

Até pode parecer clichê
Todos falam sobre isso!
Mas a contradição humana
Tem um peso aflitivo

E tudo isso pesa muito em mim...

Dói demais ser
Ser humano
E temo contradizer:

Mas sou contraditória!

Sou humana, apegada à memória
Individual e coletiva

Passiva

Queria ajudar mais
Agir, doar...
Mas só consigo lamentar
O fato de ser pouca coisa
Pequena, uma só
Difícil de desmembrar
Mais difícil ainda de somar
Que num dia chora... importa?
E no outro mal acorda e já sorri... hipócrita?

E repito: tudo isso pesa muito!

Falo por mim, mas muitos esquecem
Que o hoje amanhã já será história
Então porque não chorar a glória
E vibrar a perda?!
Se tudo muda, vamos inverter logo todos os valores!
E quem agüentaria?
Quem sorriria num abismo?
E se naquela mesma festa simultânea
Alguém chorasse ao lembrar da dor da perda?
Faria sentido?

“Só sei que nada sei”

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Inconsciente Coletivo

Poesia pescada no ar
Verso-peixe de um poeta
Fisgado pela palavra
Cores oscilantes
Das escamas, das carpas!
Seiva morna cultivada
Dentro da própria casa
Nasço e morro todos os dias
Para escapar da rotina
Poesia pescada no ar
É metonímia!

Descanso

Lua do sorriso fino
Numa de suas hastes
Não caberia um passarinho
Lua que oscila tanto
E vê modificar ao sabor do tempo
Cada motivo e cada pranto

Hoje, lua magra
Amanhã, roliça
Quando uma nuvem passa, espessa,
Tudo é tão fugaz que instiga
O movimento mais veloz a parar

Lua fina que virou meia lua
Que esboçou meio sorriso
Que se tornou um ponto de luz
Quase uma estrela a se apagar

Lua fina que foi dormir atrás do morro
Enquanto eu - não mais uma criança -
Voltei a sonhar...

Teimosia

Tô comendo um pão de queijo
Mas deveria estar escrevendo
Meu dever-ser (kantiano) é a escrita.

Um dia, meu inconsciente me acordou dizendo:
"Escreva!" Tomei um susto, mas gostei!
Pronto. Escrevi.

Mas é triste saber que, às vezes, a preguiça é teia...

Assombro

Não há teto
Não há como!
Não há pano de fundo
Sem cenários, sem entornos
Meu escopo é viver

Cada vez mais tiro máscaras
Leio Jung
E esqueço absurdos
Faço festas - internas e externas -
Vibro à beça! Me atiro no escuro...
Todo mundo me lê.

Sei ser frágil
Sei ser forte
Sei também sorrir e sofrer

Mas o melhor de ser sempre foi escrever (o melhor do ser)!
E não escrevo quase nada sobre mim
Escrevo mais sobre "nós" e "você"

Não há teto
Não há como!
Não há pano de fundo
Sem cenários, sem entornos
Meu escopo é viver

Invisível

Ninguém vê o corpo?
Ninguém vê o corpo
Estendido no chão

Sentado ou curvo
Ajoelhado ou sujo
Pedindo ou mudo

Ninguém vê o corpo no chão!
Ninguém, ninguém...

Só vêem o copo cheio
O corpo bronzeado
O carro blindado
A carteira e o recheio

Mas ninguém vê o corpo estendido lá no meio