terça-feira, 15 de setembro de 2009

Cronologia

Relógios lógicos
Paradoxos
Tóxicos
Séculos
E mais séculos
Amorfos
Tudo era menos
Tudo é mais e mais
Ares fétidos
Abismos colossais
Tudo é cada vez mais
Menos, menos, menos
Pequenos
Sem mais nem menos
Erros agressivos
Puxa-saquismos
Pouca vergonha
Sem soma, sem soma
Lama
Sem cama
Putas, putos!
Tá todo mundo dormindo de luto
Custos, alto custo
Juros
Apuros bruscos
Susto!
Nem todos os ponteiros foram ajustados
Relógios ilógicos
Há tanto tempo parados
Mas esse mais também é menos
Venenos do acúmulo
Dos séculos
Dos homens
Dos dentes e das barrigas
Das brigas, das dores
Das burrices e dos temores
O fim se aproxima
Dobra a esquina
Sempre no mesmo lugar
Um par de lágrimas
Uma porção de terra doente
Sempre no mesmo lugar
Um sentido ausente a despertar

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Vagareza

Esperando pelo sol
Convulsões de vento
Partículas do tempo
Presas na minha garganta:

– Anda, vida, flui como a lâmina d’água
que, eterna, esculpe pedras

– Anda, vida, não quero ver acumulados limo e mágoas

Estou cansada de esperar pelo sol ou pela sombra
Cansada de medir palavras...

Anda, vida! E me surpreenda no dia em que estiver acordada.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Incongruências

Tenho todos os motivos para sorrir, mas não respondo dessa maneira
Tenho todos os dedos, aqueles que agarram o que quer que seja
Mas as superfícies andam escorregadias. Quase moles.
Frias, as mãos. Passageiros os toques.
Só, o silêncio, sempre. (Prenúncio da morte?)

Morte da inocência aparente.

Tenho tudo o que me rodeia: os versos, o sol, o tempo, os livros...
Mas só enxergo as poeiras dos momentos já vividos
Eu não era assim. Assim densa, assim dramática.
Poética nuns dias, matemática em outros.
Incongruente, sempre.
Presente em mim, ausente das expectativas todas.

Incongruente?
Talvez, louca.

Descompasso

Da viola do violeiro
Não sai nota verdadeira
Só sai canção doída, passageira

Ninguém mais quer saber do seu passado
Musicalmente esquecido

Ele pensou: “negação dos inferno!”

Com o peito doído,
respirou forte
O chiado deu para ouvir de longe
Mas o violeiro não excita nem constrange
O violeiro foi esquecido

Ele pensou: “Por que justo comigo?”

E decidiu - como quem aprende a dar o primeiro passo -
Quebrar a viola, a vitrola, os compassos...

Ele pensou: “Do chão não passo.”

E se recuperou vivendo somente
de amor e outros trabalhos

O violeiro nunca mais dedilhou uma nota sequer.
Mal sabe ele o sucesso que fazia em meu ouvido de mulher

sábado, 1 de agosto de 2009

Implícito

Você, dionisíaco.
Eu, apolíneo.

Nosso amor: mero simulacro dividido.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Pedindo licença

Quero construir o meu cenário da maneira que quiser.

Se as paredes têm asas, posso até dormir em pé
Se o tempo todo for de músicas
E o silêncio do intervalo,
Farei viradas bruscas
Com dois dedos um estalo

E se da multidão, preferir o eu sozinho
Farei, sim, questão de colocar alguém no caminho
Pois nas curvas largas dessa sinuosa estrada
Não quero ver apenas uma sombra desenhada

Se as janelas forem redondas para o sol se encaixar melhor
Tratarei de abrir as portas para secar todo o suor
E se você quiser inverter todas as etapas desse meu cenário
Peço que entenda que a realidade não mora noutro lugar
Senão no nosso imaginário...

Então, construa o seu invólucro da maneira que quiser!
(E deixe o meu em paz, do jeito que ele é)

terça-feira, 7 de julho de 2009

Permanência

Bexiga inchada
Coluna cansada

Noite fria

Pessoas sombras
Espaço nulo

Noite fria

Estranhamento...
Contentamento!

Noite fria

Ultimamente
Tenho sido
Minha melhor companhia

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Meu primeiro amor (porque o 2º é a poesia)

Plásticas
as artes

são elásticas

Não se despedaçam
Não morrem

De tecitura firme
Da fruição e do assombro
elas vivem

Plásticas, as artes
Essência e efeitos sublimes

Não abandonam
Não mentem
Não têm dono

Seus criadores - etéreos - também são elásticos
Fundem-se à elas
Plásticas, perduram ávidas por eternidade

Elásticas, vão e voltam, mas nunca partem.


Em 28.05.09

Silêncio

Ego por onde escorro
Ego por onde subo

Ele me disse
Ele me disse tudo

Mostrou-se tal qual pensa que é

Ego porque sou / Ego porque é

"Erro, mas não perdoo erro de mulher"

Ele me disse absurdos
Ele não sabe quem é
Além de Ego
Nada mais se vê (nem com muita fé)

Ele não sabe
Mas sua voz não faz mais eco
No meu ouvido de mulher


Em 28.05.09

sábado, 30 de maio de 2009

Só seu

É bom saber de si
O que ninguém mais sabe
O que dói, o que vibra, o que arde...
O que alegra, o que comove, o que abate...
É bom saber de si
O que ninguém sabe!

Em 06/04/09

MuDaNçA

Os dias passam, mas não impressionam
Fronte pálida como a de um sonâmbulo
Que ao não ver sua própria sombra
Erra o ângulo, tropeça e cai.
Mas há também tombos macios!

E dentro dos mistérios, assombros
E no interior do vazio, encontros

Em 06/04/09

Desespécie

...Perfil enluarado
Céu negro
Quase tudo é escuridão
Só a lua, esse segredo
É ponto sombrio de luz
Na circunspecta imensidão

Daqui não há estrelas concretas
Nem astros, nem cores, nem civilização
A nuvem logo cobre a fronte pálida da lua:
Essa mal encoberta solidão...
Que ora acende, ora apaga
Ora se retrai, se insinua

Daqui não há como enxergar a perfeição terrestre
Não há lógica Inca, nem Maia
Tampouco se mensura a história que se escreve

Daqui, desse ângulo
Tudo mais se parece com um polígono
Um quadrado para ser mais exato
Um atestado para o desespero!

O mundo, que já foi um círculo
De tanto quicar ficou caduco
De tanto girar ficou tonto e mudo
Desgastou-se.

E desse ângulo não há como fugir pelas beiradas

Tudo é dor e destempero!
Dos correntes equívocos
Superlativos erros
Das lentes sujas e descartáveis
- desse mesmo ângulo -
Um novo céu
Agora todo branco...

Em 18/01/08

Despertar em Janeiro

Raios de Atenas!
Vozes seculares
(Seculum, seculorum)
Brios derretidos
Mãos sem frenagem
Oh! Passado, em sonho repasse
Nos alimente e dê coragem
Mas lembre-se de vendar bem os olhos
Com feltros dos mais negros
Que é para não se apagar de vergonha
Que é para não se curvar de medo
Pirâmides do Egito!
Pontes de Israel!
Iluministas, iluminadores, iluminados!
Evoque-mo-los todos
Que é para não pagarmos mais pecados
Sombras do Além
Alguém se agita num mausoléu
É triste, mas a fome que um tem hoje
Daria para alimentar todo o tropel
Suor sagrado de Antígona
Lágrimas de pedra do rei!

De fato, acabou-se a utopia...

ACORDEI.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Dois dias

A lua estava lá, ontem

Tão bela, tão exatamente redonda

Hoje, desaluou...

Enegreceu o céu

Que não é mais seu

É tão só e cruelmente

Meu

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Poesia de Flávio Lemos

Cara colega poeta, permita-me uma linha ou duas sobre nós, os incomparáveis
Estranhas criaturas todos sabem, somos loucos busco em mim tu te procuras catamo-nos aos poucos escondemo-nos, arredios cada um em seu canto da estante enquanto mandam homens à lua nosso vôo é mais rasante



Flávio Lemos

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Seguro

Sotaque espanhol que reverbera
Da ponta do pé ao seu chapéu dourado

Ir para Espanha
Uma quimera?
Não, tratando-se de ir ao seu lado

Plaza de Cibeles
Passamos um tempo acordados

Lunes por la madrugada
Deito um pouco no seu colo
Depois ponho-me a comer doces
Enquanto você bebe chá amargo

Sotaque espanhol que reverbera pra todo lado...

terça-feira, 14 de abril de 2009

Beleza Contínua

Sozinha corro
De um ponto a outro
O que quer que venha do tempo
Quero!
O que quiser o Universo
Eu quero!
O que sair de meus versos
Assim quero!

Nas reentrâncias berro
Nas subidas temo
Nas descidas ecos
Nas voltas acenos
Nas beiradas desertos
Nas retas venenos
Nas curvas loucos
Nas quinas caminhos...

De um ponto a outro
Sozinha corro...

E só me encontro mesmo quando

Sozinha caminho...

De um ponto a outro

Nas quinas espinhos

Nas curvas assopros

Nas retas espelhos

Nas beiradas gestos

Nas voltas lampejos

Nas descidas pregos

Nas subidas vento

Nas reentrâncias espero...

O quer que venha do tempo

Espero.

O que quiser o Universo

Eu espero.

O que sair de meus versos

Assim espero...

Beleza contínua de viver sempre – e calmamente – como quero

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Conclusão

Minhas papilas gustativas já não são mais as mesmas. Já não absorvem a seiva da sua saliva. Já não se molham na sua chegada. Já não amargam na sua partida.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Pensamentos

Caminho contra minha lucidez
Esvaziando idéias
Procurando sombras...

Caminho indo
Volto pensando também

Prefiro um grande dia findo
Do que um outro que vem - e não sei -

Prefiro - hoje - saber mais sobre mim
Do que sobre o outro
O outro é mistério, fruta com casca
O outro também pode ser farsa
E eu sou a verdade - a minha verdade - semente esparsa
Procuro - agora - sempre ser
sem cascas

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Hoje falarei de Libertação

Liberdade é poder partir
- Mesmo tarde -
É poder sentir
o que estava engessado, escondido
Liberdade é estar bem consigo
É estar só e feliz
É estar com e completo
É estar sem e completo também

Liberdade é dizer amém para os próprios pecados
E não somente enterrá-los
Liberdade é perdoar-se, doar-se a si mesmo
Liberdade é lampejo de inspiração
Liberdade é a profundidade do pensamento e da ação
É o próprio ato da criação humana: liberta, solta, como uma ave selvagem
É dar passagem...
Seja ao que for
Que entre novos amigos, planos, viagens, um novo amor!
O que importa é a liberdade
Liberdade é a coragem de assumir quem se é
Liberdade é livrar-se das máscaras
Liberdade é pura contemplação
São novos horizontes

Novas possibilidades
Liberdade também é arte
O que importa é a liberdade:

Deixar correr... Libertar-se das amarras...

Das correntes escravizantes da praxe, do dito, do anotado, do gravado, do piegas, do clichê, de algumas garras crueis da sociedade.

Liberdade é ler, pesquisar, escrever, falar o que se quer!
Por isso quero DIZER BEM ALTO: Libertem-se! Antes que seja tarde...

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Memória desembestada

Lá em Pernambuco
O sotaque contagia
Foi assim comigo
É assim com quem visita

Não importa se é viagem longa
Ou se é curta a estadia
Não importa se tu tem resistência
Ou se tu força na cantoria

Só sei que o pernambuquês é quase uma nova língua

Mas não estou aqui para falar de falação
O que quero relembrar
É motivo de grande inspiração

Já ouvi muito repente
Cordel também já li
Já dancei frevo com uma de gente
Muitas ladeiras subi

Já comi carangueijo
Provei dudu, não esqueci
Tapioca com queijo
Suco de siriguela, cajá, sapoti

Já brinquei de almofadinha
- No Rio ninguém sabe o que é isso -
Já subi em árvore, chupei cana
Amei e fiz muitos amigos

Já dancei forró, arrastapé e baião
Já soltei peido de véia
Em muita festa de São João

Já trelei um bom bocado
Com meus chegados, primos e primas
Foi cada viagem massa
Itamaracá, Paudalho, Porto de Galinhas

Falando em família, o número deixa qualquer um abestalhado

É uma vó com nove filhos
Seus netos, seus agregados
São muitos entes queridos
que já dormem noutro telhado...

Hoje sei que o céu de Olinda
É sem dúvida o mais estrelado

Também sei que a rima é forte
Intensa e sequenciada
Mas se eu não fizer assim
Não farei cordel nem nada

Agora falando em Recife, cidade que nunca esqueci

Que carrega o peso leve
De um passado que já vivi
Foram muitas as risadas
Sonhos e meninices
Da minha cidade adotiva
Guardo tudo o que um dia disse:

"Recife, me acolheste e me ensinaste que a vida é pura e simples, a vida é arte!"

De todas essas reminiscências
É fácil dizer o que ficou para sempre guardado:

Saudade... e um restinho de sotaque, claro!



Rio de Janeiro, 07 de fevereiro de 2009.
Michelle Lemos Kaplan

Porta-retrato

A verdade é uma falácia
Tudo o que jurou querer para hoje
já não quer mais
Tudo o que negou querer para amanhã
é o que mais quer
Tudo o que disse ter feito ontem
Esqueceu...

Porque o contrário se esconde em cada afirmação

Porque a vítima é também algoz
A verdade anda de braço dado com a mentira
Sendo que dentro de cada verdade arde uma vida
E dentro de cada mentira uma ira

Procure sempre a verdade para viver mais
Independente das mentiras que nela habitam
Desinverta todas as falácias
E seja capaz de amar as sobras

Elegia à Allegra

Allegra!

Mesmo à distância
Alegra-me tua existência
Allegra
Mesmo do frio
Alegra-me
com tua infância
Alegra-me porque nunca vi tanta lágrima
Alegra-me porque depois que cresci desaprendi
a vibrar de felicidade
e a cantar também
Tudo o que sei nesse infinito hoje
é chorar como criança
abandonada

Allegra, alegra-me!

Mais nada.

Em troca te darei, um dia, uma visita inesperada ao Canadá.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Criação

Escrever
Ver para crer?
Ler, ver, ter?

Verter idéias
sobre qualquer superfície
escrevo em pedras, papéis,
mãos, planícies...

Trafego entre o piegas
e um pedaço de damasco
invento sandices

escrevo
onde me perco
onde me acho
Tenho o que quero
Estou onde caibo

escrevo
mas não sei - exatamente - como faço
só sei que gosto

MLK, em 29 de janeiro de 2009